quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A marcar pontos desde 1990

Eu gosto do meu orientador. Damo-nos às mil maravilhas. Ele deixa-me fazer o que eu quero, quando e como quero. Não me chateia a cabeça, só me pede contas no final de cada semana; se faço todos os dias um bocadinho do trabalho ou se, na Quinta-feira, não durmo para o fazer, é comigo. Não me culpou de ter morto a bicharada e deixa-me sair mais cedo para estudar para Genética ou para fazer ensaios. Empresta-me livros e nem «Be careful.» me diz. Trata-me por Ms. M. e até me vai levar amanhã numa field trip, uma coisa de elite (vou ser aquela-cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado-não-por-medo-mas-porque-não-é-importante-o-suficiente-e-que-carrega-as-merdas? Vou, pois, mas o que interessa é que vou.).
Enfim, só não somos os melhores amigos por causa de uma tiny little thing que me dá cabo do juízo. Ele meteu na cabeça, porque meteu, que eu falo francês. Tem na convicção que, sendo portuguesa, tenho mais é que falar francês e, de caminho, espanhol e italiano também.
Ora, isto, parecendo que não, é um handicap na nossa relação. Eu, que gosto muito pouco de confusões, tenho um certo problema em explicar-lhe, sem o ofender, que não senhor, não domino tal língua.
O meu trabalho é tão somente processar amostras que ele recolheu algures nos últimos tempos. Isto engloba separar quilos de insectos mortos ou a estrebuchar e metê-los em frasquinhos com os nomes. Para isto, o Professor muniu-me de uma quantidade estúpida de chaves dicotómicas, ala que se faz tarde, desemerda-te e adeusinho. Eu já nem falo do facto de ele não se ter preocupado em perguntar «Alguma vez fizeste isto, minha filha?». Não, eu não falo disso até porque quão difícil pode ser ter um bicho à frente e seguir uma chave? Tudo na boa. O que é facto é que, no meio daquilo tudo, havia uma chave em francês. E digo eu «Oh Professor, obrigadinha, mas desta não preciso. Não percebo francês.» «What?» «Não falo francês...?» (muito perto de começar a correr para a casa-de-banho para ver se tinha alface nos dentes, tal era a expressão do homem) «How come?» (How come o quê, caralho? Não falo francês, o que é que há para perceber?) «Poooorque não...?» «But aren't you Portuguese(Aaaah ok, chegámos ao problema.) «Bem, sim, mas não percebo mesmo francês.» «But isn't it similar?» «Hmm... Suponho que sim, não é? Mas não é tudo o mesmo, sabe?» (cara de desconfança profunda e de não-queres-é-fazer-nada-minha-grandessíssima-preguiçosa) «Ok then, nevermind.» E eu percebi que a coisa não ia ficar por ali.
Noutro dia, chegou-se ao pé de mim de fininho com uma folha, a apontar para não sei onde e perguntou-me «What does this mean?», eu olhei assim pelo canto do olho e percebi que aquilo era francês. Aqui, põe-se uma pergunta: eu podia fazer um esforço para olhar para aquilo e dizer-lhe a ideia geral da coisa? Podia, mas a insistência do «claro que falas francês, deixa de te fazer de difícil» começou a fazer-me comichão e disse-lhe «French.» do alto da minha superioridade submissa. «Oh yeah, that's right.» Isto passou-se no início do semestre e eu achei que ele tinha percebido que não, daqui não ia ouvir nem um «croissant» nem um «marquise».
Hoje, estava eu e o Zam (o do PhD) a preparar as coisas para a saída de campo e entrou ele com uma rapariga que, se não tinha doze aninhos, aparentava. «Hey, how are you? This is a-não-sei-quantas-que-não-percebi, she's Belgian and is here with her mother for a colloquium. She doesn't speak English very well, so I thought about bringing her here a little.» e olhou para mim como quem diz toma-lá-que-já-te-fodi-agora-desemerda-te. Pus a minha cara de «A séeeerio, a sério? É para ir por aí?» e disse-lhe «I reeeaaally don't speak French. I can't understand her and she can't understand me.» «Are you sure?» «Yeah, I'm pretty sure. I can speak French the same way you can speak German.» rematei com um sorriso e um risinho a roçar o histérico. A cara dele fechou-se e carregou o semblante «Polish is nothing like German.» e só não me voltou as costas e bateu com a porta porque... não sei porquê.
Boaaaaaa, A.! Sempre a marcar pontos! Tanta língua para escolher para gozar um bocadinho com o teu Professor (aquele que, por sinal, te vai dar a nota final) e escolhes Alemão, minha estúpida? A língua daqueles gajos que ocuparam a Polónia há setenta anos e que dizimaram metade da população? Boa, muito bem. Não largues essa mania das ironias que não é preciso. Otária. «Oh... I was kidding... Sorry. I mean, not kidding about you and the Germans. I mean not kidding about the situation and... the stuff. Because it's not funny, you see.» digo, enquanto o volume de voz vai baixando consideravelmente e olho para os meus pés e me sinto como se tivesse sido apanhada a gozar com deficientes. «Yeah, sure.» e vai à vidinha dele.
Resumindo: vou chumbar a tudo aqui, mesmo ao que não é dado por ele porque ele vai mexer cordelinhos para eu sair deste país em miséria e debaixo de apedrejamento e axincalhamento público.
Lado bom da coisa: nunca mais toca no assunto do francês.

4 comentários:

  1. Os franceses também invadiram Portugal umas 3 vezes.
    Portanto a comparação nem foi tão má assim! :P
    Parabéns pelo blog...

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  2. Infelizmente so' fiz essa associacao quando ja' estava a escrever o post ;) de qualquer forma, nao deveria ter muito efeito pq as nossas invasoes foram em 1800 e troca o passo enquanto que a deles e' recente o suficiente para ele ou a fami'lia estarem implicados.
    Enfim... Sempre a marcar pontos.

    Obrigada x)

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  3. Jogando pelo seguro, é sempre melhor comparar o polaco com Checo ou Eslovaco. Como os Polacos se julgam superiores, não ficam ofendidos :).

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  4. Podias-lhe ter pedido para ele falar português, para ver como é que se entendiam ;)

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