quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Cracóvia - a cidade

Apercebemo-nos subitamente de uma falha neste blog. É fácil isto acontecer? Não, não é, mas não somos perfeitas. (Prova disso é uma de nós estar neste momento a ouvir uma música do Justin Bieber. A outra vibra com o Glee e tem a soundtrack de cima a baixo. So what?)
Então não é que andamos por aqui há coisa de um mês e não nos dignámos a fazer um mísero post sobre a cidade? É bastante simples a razão de tal esquecimento: nós andamos por aqui todos os dias, já a conhecemos de olhos fechados, parece-nos o bairro, só nos falta cumprimentar o senhor do café e ele chamar-nos «meninas» ou então tratar-nos pelo nome para sentirmos que sempre aqui vivemos. Assim, facilmente nos esquecemos que nem toda a gente está aqui a não viver a cidade connosco.
Dizem as agências de viagens, dizem os blogs e nós que sim senhora, que é verdade: Cracóvia é a cidade mais bonita da Polónia. Que outras cidades é que nós conhecemos? Nenhuma. Mas gostamos de corroborar opiniões e esta é uma coisa que facilmente é verdade. Os monumentos, gentes, são mais que muitos e que saltam-nos para a frente dos pés quando vamos a descer a rua. Não há um prédio com mais de três andares ou que tenha sido construído depois de 1950, garantidamente. Mas desenganem-se se acham que os polacos vivem com buracos no tecto e paredes a cair. O cuidado que eles prestam aos monumentos, às praças, aos passeios, a toda a infra-estrutra é uma coisa que nós não sabíamos que era possível. Afinal bloquear as portas e as janelas de um edifício antigo com tijolo para os drogados não irem para lá dar nos fuminhos não é a única solução para o mesmo. Também podemos restaurá-lo, manter a fachada original e meter lá pessoas a morar, impedindo inclusivamente que o centro da cidade (ou, sei lá, a BAIXA) morra. E esta, hein?


Em plena Market Square que, sentimo-nos impelidas a dizer, é a-maior-praça-da-Europa, temos a Feira (que deve ter outro nome qualquer, tipo Fábrica do não sei quê, mas onde o ET passeia e se vendem as coisas mais pindéricas do Universo), a St. Mary's Church (que raios nos partam, que nos caiam aqui os olhinhos, se não havemos de lá entrar, tirar muitas fotografias, carregar neste flash e sair a correr de máquina em riste e a fintar os seguranças), a Clock Tower (que é... precisamente.... uma torre com um relógio... um Big Ben em bebé), uma igreja maipiquena atrás da grandona (que já se sabe, mesmo que os polacos não fossem ligados a estas coisas da religião, com um papa cá nascido e criado, tinham mais era que ser) e, a tooooda a volta, bares e cafés e restaurantes e esplanadas e muita coisa onde os turistas alapam o traseiro e gastam rios de dinheiro. Tudo salpicado com canteiros com florzinhas. Uma coisa fofinha que só visto.



À volta da Market Square, há uma infinidade de ruas, cada uma com bares/cafés/pubs porta-sim-porta-sim e muita lojinha de kebabs. Cada café é uma surpresa, eles não são comedidos nos pormenores, têm as coisas mais confortáveis e ao mesmo tempo mais excêntricas. Queriam fotografias, pois queriam. Mas coisas 'excêntricas' merecem muitos posts neste nosso ilustre recanto, a seu tempo.

Para acabar, temos a Universidade que parece saída de um filme a preto e branco e de onde, ainda acalentamos a esperança, havemos de ver sair o Dumbledore.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Pechépracháme

Em Cracóvia, há uma coisa que é comum a todas as pessoas. Comum a todos os estratos sociais, todas as idades, todos os credos, todos os géneros. Essa coisa é o Pechépracháme e tem identidade própria, é um vulto que contribui para o misticismo cá do lugarejo. É um ex-libris desta cidade e é o equivalente à nossa «caça aos gambuzinos». A verdade é que toda a gente sabe o que é, sabe em que contexto aplicar, mas explicar o que é, tá-quieto.
Pechépracháme é uma palavra que os cracovacos (e, por associação de ideias, o resto dos polacos) usam para... tudo. Quer dizer «bom dia», mas também quer dizer «boa noite». Quer dizer «Aguenta aí os cavalos que já te atendo.» e quer dizer igualmente «Diga, por favor». Significa «com certeza» e também significa «desculpe». Ao mesmo tempo que é «Deixa-me passar para ver se consigo sair deste autocarro.», é «Então, vizinha, há tanto tempo que não a via. Essa vidinha? E o marido? Óptimo, então vá, até uma próxima.»
Nós acreditamos convictamente que tudo depende da entoação que se confere ao Pechépracháme. E já estamos a começar a entrar no espírito da coisa. Já percebemos que se o dissermos num tom seco e rápido, as pessoas se desviam da nossa frente. Se, contudo, o proferirmos num tom assim mais cantado, mais suavezinho, as pessoas respondem com outro Pechépracháme que, por sua vez, tem outra entoação e que já deverá querer dizer outra coisa qualquer. A verdade é que ouvimos um Pechépracháme em toda e qualquer situação. Alvitrámos inclusivamente a hipótese de esta língua ser constituída unicamente por este vocábulo com entoações diferentes.
Apesar de tudo, não esquecer que isto é assistido e comentado por portuguesas em terras estrangeiras que é coisa que, não raras vezes, se assemelha à primeira ida dos cavadores de plantações de batatas à capital.

Como gostamos de ser pessoas informadas, perguntámos a quem de direito que raio quer isto dizer e ficámos a saber que significa tão só e literalmente... «com licença». Hmm... Está certo, então.
Isto, porém, levanta outra questão: POR QUE É QUE AQUI TODA A GENTE COMEÇA UMA CONVERSA COM «COM LICENÇA»?!

Como ele pensa que a coisa aconteceu
Professor encontra aluna no laboratório. «Olá estás boa? Hoje temos uma coisa nova. Vai lavando essa amostra que eu já venho.» Aluna acede com um sorriso nos lábios, como sempre.
Professor sai.
Professor volta daí a 15 minutos. Professor debruça-se sobre a amostra. «Não acredito... Estão todos deteriorados. Hoje até baixei a temperatura do laboratório para ver se eles aguentavam, mas nem assim. São muito sensíveis ao calor. Hoje queria mesmo que tu os visses....» Aluna faz um aceno de concordância e incredulidade perante tal acontecimento.
Professor resigna-se «Pronto, deixa, trabalhamos com outra amostra hoje.»

Como a coisa aconteceu realmente
Aluna chega ao laboratório, vinda da rua, onde pairam uns 5ºC. «C'um c%&%lho, estão aqui a esconder um morto óquê? Muito gostam estes gajos do frio...» Professor entra. «Olá estás boa? Vai lavando essa amostra que eu já venho.» Aluna acede, enquanto pensa «Yes, sir! Os seus desejos são ordens! É uma lavagenzinha que quer, é uma lavagenzinha que tem. Considere o trabalho feito. Venha de lá esse 20! E um cafezinho, não? Vou lá abaixo num instante e tem um café em dois segundos. Sabe outra coisa que faço muito bem? Limpar gabinetes. Não? É só lavar a amostra, não é verdade? Então é isso que vai acontecer. Mas disponha sempre.» Professor sai. Aluna repara que tem as mãos a cair porque o frio é assim uma coisa por demais. Aluna resolve lavar as mãos. «Deixa-me cá lavar as mãos que esta gente que anda nos autocarros tem toda ar de quem é um antro de doenças. O seguro morreu de velho. Saiam, micróbios, saiam. Tomem lá esta águinha a ferver a ver se não saem daí a correr. Que unhas lindas que eu tenho... Tenho que comprar um verniz. E acetona. E algodão. Epa esqueci-me de carregar o telemóvel! Pode ser que me consiga escapulir daqui mais cedo e passo na papelaria. Se bem que vou levar meia hora para explicar à mulher que só quero carregar o telemóvel... Enfim... Ah sim, lavar a amostra. Vira, torna a virar, nadem um bocadinho, bicharocos. Parece que estão nas Caraíbas, não é? Quem é vossa amiga? Prontinho, está feito.»
Professor volta daí a 10 minutos. Professor debruça-se sobre a amostra. «Não acredito... Estão todos deteriorados. Hoje até baixei a temperatura do laboratório para ver se eles aguentavam, mas nem assim. São muito sensíveis ao calor. Hoje queria mesmo que tu os visses...» Aluna faz um aceno de concordância e incredulidade perante tal acontecimento ao mesmo tempo que pensa «F#"a-se que f#"i os bichos. Por favor, por favor deus, faz com que ele não descubra que fui eu. Quem é que posso culpar? A senhora da limpeza? O rapaz do doutoramento? Aqueles outros dois Erasmus? QUEM, meu deus, quem?»
Professor resigna-se «Pronto, deixa, trabalhamos com outra amostra hoje.» Aluna respira de alívio.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Há um motivo para não termos falado das actualizações do nosso Learning Agreement ainda. A verdade é que isto de fazer Erasmus é tudo sempre muito bonito na teoria, "ai que ramboiada que vai ser, ai que vou andar 6 meses sem fazer ponta de corno, ai que não ter aulas é que é bom", mas na prática, quando vem a conversa das equivalências, é que a porca torce o rabo (e, juro, isto é uma metáfora mais do que adequada). Vamos lá ver, estar de Erasmus é quase a melhor coisa do mundo, porque é (ou não estivessemos nós constantemente metidas em situações caricatas!). Agora, dá algumas dores de cabeça (não, não estou a falar das ressacas. Quer dizer, ontem não foi fácil, confesso...).
Nós, pequenas aprendizas de cientistas, viemos para a Cracóvia com uma anedota de Learning Agreement que, surpreendentemente, foi aprovada. Tanto em Portugal, como na Polónia. Ninguém sabia de nada na nossa faculdade, "ai que vocês são as primeiras que vão para lá, não sabemos bem como aquilo funciona, vamos ver, vamos ver e ah! é preciso entregar o Learning Agreement entretanto". Mentira, não fomos nada as primeiras, aliás, muito nos ajudaram os pequenos que cá estiveram o ano passado!
Fomos obrigadas a traduzir a lista de cadeiras que estavam no site da Universidade Jaguelónica (com a ajuda do Google Translator, pois claro) e seleccionar as que eram mais parecidas com as que iríamos ter lá no 1º semestre. Claro que foi tudo muito em cima da hora e as professoras que estavam a "coordenar" "deram-se ao jeito" e assinaram aquilo às três pancadas. O pior veio depois, quando cá chegámos (sejam inteligentes e digam comigo: lá - Portugal, cá - Cracóvia, bom).
Queriam porque queriam impingir-nos uns cursos tais como: A Polónia e o Holocausto (= venham masé visitar Auschwitz pelas nossas agências de viagens e deixar cá o belo do euro), Polaco 101 (= só vão estar cá 6 meses mas é importantíssimo que aprendam esta língua que é tão fácil e bonita, ah! e sim, têm de largar o belo do euro para isto também), Cultura tibetana (= wtf?!), Mysticism: Indian and the People of the Book (= não deu para traduzir, é isto), Será que a Europa está a ficar Americanizada? (= yup, isto é uma cadeira), The Special Relationship Britain and the United States from the II World War to the War on Terror (= pois não sei mas isto de relações especiais não abona a favor da Queen Elizabeth II, parece-me), e isto continua.
Logo quando chegámos fomos ao ISO (Gabinete de Relações Internacionais), tratámos do cartão da universidade e perguntámos: "Então e agora?". Lá começou o Krystofzinho com a conversa dos cursos em inglês que não interessam a ninguém (a ninguém de ciências pelo menos), que eram muitos, de várias faculdades, bla bla bla... Tivémos de fazer cara de más "Não está a perceber. Biologia, onde é?", ao que este nos responde: "Pois, não sei muito bem, vão ao... Institute of Environmental Sciences?, acho que traduzido é isso, e peçam para falar com a Professora Malgorzata qualquer coisa-qualquer coisa e pode ser que resolvem isso". Olha, obrigadinho e ala que se faz tarde.
Depois de 2 autocarros e uma hora de caminho, lá chegámos ao KAMPUS UJ, um desCAMPado. A custo, vimos uns edifícios longíquos (a custo porque chovia e fazia um vento dos diabos) que eram empresas de pesquisa científica, bom demais para ser uma faculdade, portanto. Voltámos para trás e lá estava a paragem que dizia "qualquer coisa-qualquer coisa-Biologii-qualquer coisa". Edifício fofinho, amarelito, promissor, entrámos. Fomos à recepção e, depois de muito gesto, lá conseguimos encontrar o gabinete da senhora, quer dizer, encontrámos a porta-que-dava-acesso -ao-corredor-onde-era-o-gabinete-da-senhora. Que, claaaaaaaaaro, só abria se passassemos o cartão no aparelhinho. Não temos, vá de tocar à campainha (aquilo estava tudo escrito em polaco, mas era de certeza uma campainha!). Ora, vem de lá uma miúda, pouco mais velha do que nós, que toda ela era esbracejar e terror estampado na cara (acho que a vi arrancar um cabelito ou dois enquanto vinha abrir a porta): "ai não toquem aí, por favor, que isto dá tudo em doido, não leram o papel? ah, pois não falam polaco, coitaditas, mas não voltem a fazer, está bem?". Está bem, a Malgorzata? "Ai venham venham, eu sou a assistente" (isto soou-nos a "eu sou a bitch dela ando a ver se me safo no PhD lambendo-lhe um bocadinho as botas").
"Olá, nós somos estudantes de Biologia em Portugal, estamos de Erasmus, queríamos perg..."
"Portugal?"
"Sim, chegámos ontem, fomos ao ISO e mandaram-nos vir aq..."
"Esperem lá, eu não tenho conhecimento de ninguém que venha de Portugal..."
"O QUÊ?!"
"Pois, não tenho aqui informação nenhuma. Têm o vosso Learning Agreement convosco? É que não recebi nada. Que estranho"
"Sim, está aqui mas isto..."
"Ai mas estas disciplinas são todas dadas polaco, onde foram arranjar isto?!"
"Pois, é que na nossa faculdade não sabiam muito bem como proceder então como tinhamos prazo de entrega para isto tivemos de improv..."
"Não, não, não. Que desorganização! Isto não é normal, então mas mandam-vos para aqui assim? Vocês vão ter de fazer um projecto, quer dizer, isto se eu ainda arranjar alguém que vos albergue porque vocês deviam-nos ter contactado logo quando souberam que vinham mesmo para cá..."
"Sim, nós escrevemos para os Departamentos de Zoologia e Botânica mas ninguém nunca nos respondeu e não sabíamos bem..."
"Qual departamento de Zoologia, vocês pertencem é aqui no Instituto! Vou ter de falar com a vossa faculdade, isto não pode ser!"
"Sim, nós sabemos mas..."
"Vocês têm casa aqui já? E as bolsas, receberam-nas?"
"Errr, sim, estamos na Piast. A bolsa havemos de receber..."
"Hão-de receber?! Ai que não me acredito, que falta de.... nem sei. Olhem, agora não têm de se preocupar mais. Têm aqui uma mãezinha polaca, sim porque eu tenho filhos, eu sei como é... Amanhã vão ao nosso site e enviem-me um e-mail com áreas da vossa preferência que tento ver o que vos arranjo"
Mandámos. E ela arranjou. Dois projectos da mais alta complexidade que para aí anda: 1 - separar larvas de insectos (para a nossa querida aspirante a Bióloga Marinha), 2 - dar comida a passarinhos (para a mais bonita das estudantes de Biologia Ambiental Terrestre).
Entretanto, desencantámos uma cadeira dada em Inglês, para licenciaturas, Ecologia Tropical (3 horas, à 6ª feira, do mais enfadonho que há) e agora, a nossa coordenadora fofinha de Portugal quer que façamos mais. Hoje fomos inscrever-nos na cadeira de Life History Evolution que, curiosamente, é para alunos de doutoramento.
Sim, em 5 cadeiras de Biologia dadas em Inglês, 1 é a de Licenciatura, outra é para o 2º semestre, e as restantes são ou de Mestrado (já começaram há séculos) ou Doutoramento (dia 15 lá estaremos). Estamos também incumbidas de ir a seminários todas as quintas-feiras e, é claro, TODOS exigem conhecimentos da cadeira a que chumbámos o ano passado, Genética. Adoraaaaamos estar de Erasmus! Hoje até há concerto de Jazz com cerveja de meio litro a 1euro. Amanhã, report for duty. Gosto tanto de passarinhos...

Aqui entre nós que ninguém nos ouve,

as princesas já têm bilhetes para ir a casa no Natal. Xiu.
Mãe, quero carne sim? Muita carne. E o belo do bacalhau. E o peru. Se arranjares umas Super Bock e umas Sagres também não se estragam. Doces então... não te contenhas.

domingo, 24 de outubro de 2010

Conversas de fim de noite

Três da manhã, à espera do 601, avistamos um homem que tem uma aranha desenhada no casaco. Parecendo que não, isto tem pano para mangas para uma conversa absolutamente desnexada mas que, ainda assim, dura qualquer coisa como 5 minutos. A verdade é que não é qualquer pessoa que tem esta capacidade.

«Olha ali o Homem-Aranha. Peter! Peter Parker!»
«Cala-te que as pessoas aqui percebem o que é Peter Parker.»
(Olhando para o céu) «Achas que vai aí aparecer o Duende Verde? Ou o Sandman
«Aparecer por aparecer, que apareça o Surfista Prateado...»
«Oh estás a misturar duas histórias...»
«Ah pois, esquece.»
«Acho que lhe vou perguntar como é que está a MJ...»
«Para isso, mais vale perguntares pela Aunt Petunia e misturas três histórias.»

terça-feira, 19 de outubro de 2010

À atenção do quem espalhou o rumor de que ia nevar

Então é assim: isto de atrair pessoas para a Polónia com a conversa do venham-venham-que-isto-é-tão-lindo-que-temos-muita-neve-e-montanhas-e-coisas-que-só-visto tem que acabar. Assim como o estarem desde sexta-feira a dizerem que no fim-de-semana neva. Nop, não foi no Sábado... Também não foi no Domingo. Segunda? É segunda, sim senhor. A verdade é que já é Terça e não estamos a achar piadinha nenhuma à brincadeira. A brincar, a brincar fomos a correr comprar casacos e botinhas para estarmos preparadas quais Yetis e neve q'é bom, é mentira.
Parecendo que não, uma pessoa sai à rua, sente o pé a escorregar e começa aos saltinhos «É neve, é neve, eu sabia, olha, olha é neve, está a nevar!» e afinal não. É só a falta de coordenação a trabalhar. Sente uma gota na cara e «Pumbas! É hoje, ainda bem que trouxe o meu gorro e as minhas botas!» e não. É só a varanda de alguém a deitar água. Acorda e vai à janela e quando a outra já se está a levantar aos tropeções para ver a neve, não. Está só muito nevoeiro.
É o passar dias e dias a ir à varanda meter a mãozinha de fora, é o ir buscar uma cadeira e sentar-se à janela, o ansiar pelos bonecos de neve, pelos anjinhos no chão, o imaginar como será andar com neve até à cintura e nada. Só chove. Se há coisa em que a Polónia é boa, é na arte do chover. Ui o que este país chove. Neve? Neve não. E os nossos pequenos corações esmorecem com o passar dos dias. Que Sol não há, não o vemos há três semanas. Se não for a neve para nos animar, qual é o sentido da nossa existência?
Portanto, vamos lá deixar-nos de brincadeiras e carregar nessa neve que é para isso que nós cá estamos. Já estivemos bastante mais longe de pedir o Livro de Reclamações.

domingo, 17 de outubro de 2010

Já agora...

Round 3 (o que é de um rally sem o round 3?)
Aproveitámos o andamento e fomos comprar tabaco. Pediram-nos identificação.
Só na Polónia...

Adenda: Calma, calma... Não NOS pediram identificação, pediram à que, de nós, envergava um bonito abafa-orelhas da Hello Kitty. Está percebido?

Rally dos hospitais

Nós descobrimos a modalidade mais praticada aqui em terras cracovacas. E só precisámos de uma constipação de caixão à cova, com dores de garganta e ouvidos para o fazer. Muito fácil. E muito, muito divertido. Esta modalidade chama-se Rally dos hospitais.
Requisitos: estar doente, quanto mais melhor, dá mais pica à coisa; não falar polaco (se se souber falar polaco, a coisa perde toda a piada); ser estudante estrangeiro; ter uma certa propensão para ser enganado e muita paciência.
Round 1
O jogo começa com uma ida ao so-called hospital para estudantes só para pedir uma receita com uns medicamentos que nos tirem a assface com que fomos acometidas. E lá vamos nós em direcção ao dito, o que, ao que tudo indica, não nos levará mais do que meia horinha. (Aaaahahahah otárias...)
Chegamos, queremos registar-nos, mas é aqui que começa o giro da situação. Cartão Europeu de Saúde para cá, Cartão Europeu de Saúde para lá e a-senhora-não-faz-puto-de-ideia-do-que-isto-seja-não-é-verdade?, sim-eu-tenho-quatro-nomes-desculpe-lá-já-vou-ralhar-com-os-meus-pais-por-terem-tido-ideia-tão-descabida and so on, and so on. Fazemo-nos valer das almas caridosas e faladoras de Inglês que andam no pedaço e ganhamos uma considerável vantagem sob todos os outros. Tentamos registar-nos e, por intermédio de gestos e rapazes simpáticos e prestáveis, ficamos a saber que nos encontramos numa unidade de saúde privada que funciona, como todas, na base do queres-ser-tratada-arrota-60zl-para-a-instituição.
«Ok, obrigadinha, mas não, onde é que há aqui uma porcaria de um hospital público?»
«Ah... Não há.»
«Não há? Como não há? Não há hospitais públicos nesta cidade?»
«Há pois, mas fecham às sete da tarde.» Ah pois, muito bem então. Quem vê qualquer coisa de muito estranho em as unidades de saúde públicas fecharem à noite, ponha a mão no ar.
«Então, mas oh amigo, se eu estiver a morrer durante a noite, adio a coisa para as nove da manhã?»
«Pois, não é? Lá terá que ser...»
É aqui que a brincadeira começa a ser uma rambóia, uma Meca do divertimento. Pagamos os 60zl a custo, o rapaz preenche a nossa ficha (ficando a saber a nossa história clínica toda e quantos sinais temos no corpo todo) e vamos esperar para a salinha. Entramos no consultório e a médica não fala Inglês. Fazemos umas contas de cabeça e sabemos que o mais provável é sermos auscultadas, o que implica ficarmos em pelarota e decidimos que se calhar não é boa ideia ir chamar o rapaz para traduzir a conversa nós-médica. Rapidamente chegamos à conclusão que a coisa só lá vai com gestos e agora deixamo-vos dar asas à vossa imaginação acerca de como foi a consulta e o rigor com que os medicamentos foram prescritos. Adeusinho-boa-noite-não-tire-um-curso-de-Inglês-não-que-não-é-preciso e farmácia com elas.
Round 2
Aqui é que começa o difícil desta prática. Começa se, e só se, os remédios receitados outrora não fizerem qualquer espécie de efeito até porque o mais provável é serem para curar micoses nos dedos dos pés. Sabemos que existe outro hospital (público, ai não!) e que é mais ou menos na Rua X. Lá vamos nós de mapa nas mãos a arrastar-nos, a espalhar germes por toda a gente que se cruza connosco e chegamos ao nº19. Entramos, mas que não, não é aqui, é na porta um bocadinho mais ao lado. Atentamos, contudo, que esta instalação do hospital tem um leve cheiro a matéria a decompor-se e atiramos a eventualidade de ser a morgue. Nada a temer.
Entramos na porta ao lado e vamos à recepção para nos registarmos mas aquilo tem escrito por cima qualquer coisa como «Cirurgia». Fazemo-nos de mortas, fingimos que não vimos, que não é nada connosco, queremos acreditar que entrámos no sítio certo. Sentamo-nos e perguntamos a um rapaz se aquilo é o hospital. Que não, não é bem ali ainda, um nadinha mais ao lado. Aaaah quase, estamos quase.
Terceiro portão: aparece um senhor a gesticular e a falar polaco. Tomo aqui a liberdade de traduzir o que me pareceu ser um «Mas onde é que vocês pensam que vão, minhas vadias? Isto não tem nada para vocês verem, bazem daqui se não querem levar com um chumbinho nesses costados.»
Quarto portão: sim, tem que ser aqui, há ambulâncias. Escusado será dizer que entrámos precisamente por onde entram as ambulâncias, uma espécie de garagem. Não encontrávamos a porta, you see. Recepção. Aceitam-nos os cartões sem mais conversa. «Sim sim sim, é aqui, é aqui, é aqui.» enquanto saltamos histericamente e a bater palminhas. A senhora faz a ficha (numa média de 12 minutos cada campo de preenchimento) e venham comigo que já vos levo lá. Isto parecia bom demais para ser verdade. E era. Andámos de salinha em salinha e, às páginas tantas, aparece-nos uma médica que nos diz no seu melhor Inglês «Nop, não é aqui, minhas meninas. Isto são só urgências. O que vocês têm que fazer é marcar consulta num médico da especialidade e vão lá. E isso não é aqui, é na porta um bocadinho mais ao lado, na morada tal. Para aqui só vêm se se estiverem a esvair em sangue. Vá, vão lá à vossa vidinha e amigas como sempre.» Caem-nos os queixos, saimos dali, chamamos uns quantos nomes a tudo o que se cruza connosco,vais-ao-médico-vais-vou-lhe-masé-à-boca-e-a-estes-paneleiros-destes-polacos-todos-mais-à-p%&a-c'os-pariu e entramos no primeiro BurguerKing que nos aparece à frente, curar a constipação.

(já que estamos numa de actualizar isto)

Cracóvia desafia-nos constantemente. Estão a ver aquele jogo da "Verdade ou consequência"? Pronto, é mais ou menos isso, só que estamos sempre a escolher consequência e nem damos por ela. Não, não queremos desesperadamente saltar para cima de um gajo sem termos de nos justificar nem descobrir os seus segredos mais sórdidos. Na verdade, a maior parte das vezes só queremos ir às compras ao supermercado. O problema é que, para além de estar tudo escrito em polaco, os empregados só falam a-língua-que-não-exige-respirações-intervaladas. Agora, pintem o quadro. São horas e horas de observações exaustivas às prateleiras do Carrefour, ou do Biedronka (baratinho baratinho, uma das nossas mais recentes descobertas. Obrigada, Jerónimo), ou do outro sem nome.
Primeiro que conseguíssemos distinguir natas de iogurtes... Muita comida estranha se fez nestas cozinhas... E muito bom senso tivemos nós em não arriscar no atum. Ah pois, que aquilo está perigosamente perto dos Whiskas saquetas ou lá como se chama a comida de gato aqui. Portanto, não há cá "comida do estudante" (esparguete e atum para os mais velhos). Há sim duas Marias que não dão uma para a caixa na cozinha (ou não davam!) a fazer os mais belos cozinhados (ele é rolo de carne, francesinhas modificadas, bifes de peru do melhor que há) . Vá, os noodles também são muito nossos amigos. Eles e o McDonald's. E os kebabs. E os zapekankas.

(A bonita despensa que já possuímos. Tudo com um nível de bom-gosto acima da média.)

E falando em kebabs, temos uns amigos turcos do mais simpático que há. Impingiram-nos o chá e agora não queremos mais nada, quer dizer, também gostamos das tortas, das bolachinhas e de todos os doces que nos queiram oferecer. Quando quiserem, já sabem, um andarzito acima.
E falando em andares... Isto cada andar tem um hall grande com duas cozinhas, uma sala do lixo (don't ask), uma sala trancada onde se pratica sexo louco, não, mentira, está trancada não sabemos o que é, e umas quantas portas que dão para dois quartos. Ora quer isto dizer que partilhamos um outro mini (mas mini) hall com o quarto do lado, ah sim, e partilhamos também uma casa de banho (que está sujaaaa e ninguém se chega à frente para limpar. Ouviram?!). Acontece que isto de partilhas seria muiiiiito bom se fossem com dois polacos giros e altos e descomprometidos que acordassem de manhã e fossem ver o tempo à varanda (comum, claro) ainda em boxers. Bom não. Muito bom. Mas não. Em vez disso, temos uma californiana com a mania que é gente e uma húngara intrometida e com riso estridente (esqueci-me, também é um bocadinho esfomeada).

A Piast, em si, é um pequeno mundo. Não apenas pelas quantidade de gente com diferentes nacionalidades em que uma pessoa esbarra, mas também porque é quase uma comunidade auto-suficiente. Ele é cabeleireiro, ele é cantina, ele é café, ele é lavandaria, ele é restaurante chinês, ele é Correios, ele é papelaria. Só não tem uma farmácia (e o jeito que já nos tinha dado). A cantina é assim uma espécie de sopa dos pobres porque toda a gente com aspecto duvidoso lá vai parar. Nós fomos lá uma vez, mas já sabemos que, da próxima, temos que escolher o outfit apropriadamente para eles não acharem que somos as princesas cá do sítio e nos açambarcarem todo o qualquer bem que levemos connosco. Calças de fato-de-treino e t-shirt a dizer «15ª Meia-maratona de Fornos de Alqueide» vai muito bem. E temos mais um problema neste mundo que é a cantina da Piast. As senhoras não falam inglês, pasmem-se. A ementa não está em inglês, dá para acreditar? Pois que estamos destinadas a comer sempre o que a pessoa da frente come. Isto porque a pessoa pede e nós apontamos «The same. A mesma merda, vá.». Correu bem. Até ao dia...
Só mais uma coisa para terminar o raciocínio: frigoríficos, q'é isso, gentes polacas? Frigorífico, por estes lados, significa chão-da-varanda-que-com-sorte-se-há-de-encher-de-gelo-e-então-aí-sim-talvez-possamos-comprar-iogurtes-e-fruta-e-pizzas. Por enquanto, está assim:


Diz que sim, que a Cracóvia é muito bonita, as pessoas afáveis e o tempo uma maravilha. Pronto, bem-vindos à Cracóvia.

Passemos então ao que de facto interessa que são as experiências que sucedem aqui às princesas. Coisas que, temos para nós, não acontecem a mais ninguém. Já desenvolvemos inclusivamente uma teoria que é mais ou menos isto: os polacos estão todos feitos uns com os outros para nos colocar nas situações mais embaraçosas que existem. Achamos que há uma câmara a seguir-nos há coisa de um mês. Uma espécie de Big Brother mas em bom. Uma coisa que depois passa na televisão polaca. E somos a nova sensação cá do sítio.
Comecemos então com um episódio que sucedeu há qualquer coisa como duas semanas. Enquadramento: nós, às 2 ou 3 da manhã, na paragem do autocarro à espera do nosso 601 para virmos repor energias a casa que é como quem diz, dormir que nem lontras. Pois que chega uma rapariga toda ela muita base, muita purpurina, muito rímel e muito de outra coisa qualquer que lhe fazia as pestanas terem 5 cm de comprimento. That's fine to us. Pois que a moça mete conversa connosco num tom de voz muito a atirar para o psycho-o-que-eu-vos-fazia. E que está em Cracóvia há muito pouco tempo e que estuda Psicologia e que trabalha num clube que nós, vai-se a ver, e até conhecemos. Diz o nome e nós que não, ainda não conhecemos, mas também estamos cá há pouco tempo. «Eeer... It's a strip club.» «Aaaah bom, confere então.» E a partir daqui, descambou. Que faz muito dinheiro, que devia deixar de fumar, que já perdeu muitos homens por causa do tabaco, mas, coitadita, é um vício. Que adooooora Portugal do fundo do coração, aquelas praias, ui que bonitas que são, e que é um país muito bonito, com mulheres muito bonitas. «Ah então já lá foste?» «Não.» «Pronto, está bem.»

A moça pergunta «E vocês estudam?» Nós que sim. «Então e trabalham?» Nós que não. «Então e gostavam?» Pumbas, já chegámos ao que interessa. Amiga, com toda a consideração que o teu trabalho nos merece, não estamos interessadas em entrar no showbiz no ramo da dança exótica. Prioridades. Mas ela continua a dizer que aquilo dá muito dinheiro e quando uma de nós (vejam lá se sabem qual) começa a pensar que se calhar não era tão mau quanto isso e até se propõe a perguntar «How much exactly are we talking?», chega o autocarro. Aaaargh, fica para a próxima. E pronto, foi esta a nossa rápida incursão do mundo dos strip clubs.