quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Maiscásmães

Nós sabíamos. Nós sabíamos que os portugueses são maiscásmães e que tudo o que é pedaço de terra tem uns três ou quatro que se ajuntam nem que seja a enfardar Cozido e a beber tintol. Nada de novo. Chegámos cá e conhecemos logo três de enfiada, simpáticos que só eles. Apercebemo-nos que eram lá da terra devido a um «C&raaaal%o» bem mandado no meio da discoteca. «Ok, óptimo, estamos em casa.» pensámos nós.
Depois, mais outra (pois não é, S.?), outra e ainda mais outros três.
Mas o que interessa para este post é o hábito que desenvolvemos. Acontece que, assim que cá metemos os pezinhos, ganhámos uma mania que é qualquer coisa de libertadora: falar mal de tudo e mais alguma coisa quando vamos às compras, quando estamos no autocarro, na rua, no café e por aí adiante. Não há muitas coisas melhores do que ir sentada ao lado de uma rapariga e dizer «Atenta nesta gaja. Tem um olho a apontar para a China e outro para o Brasil.» «Qual gaja?» «Esta aqui ao pé de mim, não vês? E a saia?». E quem diz isto, diz outra coisa qualquer, coisas bastante piores. Coisas que, se alguém percebesse, fazia com que saíssemos daqui mestres em escapar a linchamento público.
Também sabíamos que um dia íamos apanhar alguém na rua que percebesse o que nós gritamos para toda a gente ouvir. E eis que o dia chegou. Estamos nós muito bem na fila para comer uns quantos zapiekanki a falar sobre... a falar sobre... axes. Esta é uma temática que ocupa a maior parte dos nossos diálogos (e quem diz axes, diz antufinhos), falamos disto como quem fala do tempo, estejamos no recato do nosso lar ou numa aula. Somos princesas mas somos pessoas e desengane-se quem acha que as raparigas não mandam axes e muito menos falam sobre isso. Falam, sim senhor, e com uma classe que deixaria qualquer taxista de Lisboa envergonhado. Pois bem, estamos na fila e, quando o nível da conversa não pode descer mais (i.é, quando vai num «Ouve, mas que desarranjo que pr'aqui foi. Vi jeito de ir parar ao hospital desidratada.»), ouvimos um «Vocês são mesmo portuguesas?». Uma de nós engasgou-se e a outra ficou azul. Ao mesmo tempo que pensamos «F"#a-se, já fomos. 'Bora fingir que somos outra coisa qualquer e começar a correr.», dizemos «Sim, porquê? O que é que ouviste? Desculpa desculpa, nós não costumamos ser assim tão mal-educadas. Deixámo-nos levar. Nós geralmente só falamos de flores e maquilhagem e coisas bonitas tipo salvar o mundo e o c$r$lho. A sério, nem toda a gente é assim em Portugal.». O rapaz faz de conta que não percebeu nada até ali e começa então a explicar que é polaco, que estudou Português cá (sim, há efectivamente pessoas polacas que escolhem como carreira ser especialista em Estudos Portugueses) e que agora até dá aulas de Português, que esteve de Erasmus em Lisboa e gosta muito do sítio. «Ok, então não ouviste nada, pois não?» Que não, que nem percebia o que estávamos a dizer (consta que falamos muito rápido. Calúnias.). Nós começamos então a respirar a um ritmo mais normal, recuperamos a cor e ficamos a saber que há uma catrefada de polacos que estudam Português. Inchamos de orgulho e só nos falta começar a cantar o Hino agarradas a uma bandeira, a soluçar. Conversinha para aqui, conversinha para ali, trocamos os números (que isto dá sempre jeito conhecer nativos que falam a nossa língua) e adeus, até qualquer dia.
Julgam, contudo, que isto nos fez parar de falar de todo o assunto que nos vem à cabeça independentemente do lugar onde estamos? Ahah ganhem tento nessas cabeças, crianças de deus...
Passados uns dias, vamos a um Tandem (e o que é um Tandem? Não sabemos. Mas gostamos da palavra e da sonoridade. E já percebemos que a única coisa comum a todos os Tandems a que já comparecemos é a cerveja barata. Portanto, seja o Tandem o que for, nós estamos lá.) e conhecemos mais dois polacos que falam português. Como se vê, é coisa recorrente por aqui. O que não sabíamos é que todos eles falam português quase melhor que nós mesminhas. E começam a falar da língua da perspectiva deles. Sabem mais que nós, os exibicionistas. Tomámos conhecimento de factos tais como o de a nossa língua ter nada mais nada menos que dezasseis tempos verbais. Nós? Nós sabemos os nomes a quatro e e... Ficámos também a saber que é impossível para um polaco dizer «lh». Impossível. Pronto, tivemos diversão para o resto da noite, perdão, para o resto do Tandem. «Olha olha, diz lá alho.» «Áio.» «Aaaaahahahah não, não. A-lho.» «Alio.» «Aaahahahah opá que otário. A-lhe-o, diz.» «Ário.» «AHAHAH!» E foi isto que fizemos durante o que restou do Tandem.
Diz que são pessoas bem-dispostas, estes polacos d'um raio.

2 comentários:

  1. A sério que voces mesmo estando ai a passar fome, que eu bem sei que passam (esse vosso frigorifico outdoor diz bem o que nao anda nos vossos estomagos), continuam a sentir essa necessidade extrema de falar sobre essas coisas e, pior que falar, passa-las a acção, tantas vezes quanto cá? A sério, a sério?

    (eu se quisesse dizia-vos quem apanhou uma grande narsa em pandam há uns dias atrás...)

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  2. Cara visitante Joana Silva, seria impossível proceder às acções descritas no post acima caso, efectivamente, nada tivessemos no estômago. Não concorda comigo? Convido-vos a debater esta temática, é que, mesmo sendo no lado oposto da Europa, há coisas que não mudam. Sim, as pessoas cá também cagam.

    Narsa? Falemos de chibas. E sim, as princesas sabem de tudo. Somos como Deus, omnipresentes. Mas melhores. E mais giras, diga-se.

    Sinta-se sempre convidada a visitar-nos para dois dedos de conversa. Ou quatro.

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