domingo, 17 de outubro de 2010

Rally dos hospitais

Nós descobrimos a modalidade mais praticada aqui em terras cracovacas. E só precisámos de uma constipação de caixão à cova, com dores de garganta e ouvidos para o fazer. Muito fácil. E muito, muito divertido. Esta modalidade chama-se Rally dos hospitais.
Requisitos: estar doente, quanto mais melhor, dá mais pica à coisa; não falar polaco (se se souber falar polaco, a coisa perde toda a piada); ser estudante estrangeiro; ter uma certa propensão para ser enganado e muita paciência.
Round 1
O jogo começa com uma ida ao so-called hospital para estudantes só para pedir uma receita com uns medicamentos que nos tirem a assface com que fomos acometidas. E lá vamos nós em direcção ao dito, o que, ao que tudo indica, não nos levará mais do que meia horinha. (Aaaahahahah otárias...)
Chegamos, queremos registar-nos, mas é aqui que começa o giro da situação. Cartão Europeu de Saúde para cá, Cartão Europeu de Saúde para lá e a-senhora-não-faz-puto-de-ideia-do-que-isto-seja-não-é-verdade?, sim-eu-tenho-quatro-nomes-desculpe-lá-já-vou-ralhar-com-os-meus-pais-por-terem-tido-ideia-tão-descabida and so on, and so on. Fazemo-nos valer das almas caridosas e faladoras de Inglês que andam no pedaço e ganhamos uma considerável vantagem sob todos os outros. Tentamos registar-nos e, por intermédio de gestos e rapazes simpáticos e prestáveis, ficamos a saber que nos encontramos numa unidade de saúde privada que funciona, como todas, na base do queres-ser-tratada-arrota-60zl-para-a-instituição.
«Ok, obrigadinha, mas não, onde é que há aqui uma porcaria de um hospital público?»
«Ah... Não há.»
«Não há? Como não há? Não há hospitais públicos nesta cidade?»
«Há pois, mas fecham às sete da tarde.» Ah pois, muito bem então. Quem vê qualquer coisa de muito estranho em as unidades de saúde públicas fecharem à noite, ponha a mão no ar.
«Então, mas oh amigo, se eu estiver a morrer durante a noite, adio a coisa para as nove da manhã?»
«Pois, não é? Lá terá que ser...»
É aqui que a brincadeira começa a ser uma rambóia, uma Meca do divertimento. Pagamos os 60zl a custo, o rapaz preenche a nossa ficha (ficando a saber a nossa história clínica toda e quantos sinais temos no corpo todo) e vamos esperar para a salinha. Entramos no consultório e a médica não fala Inglês. Fazemos umas contas de cabeça e sabemos que o mais provável é sermos auscultadas, o que implica ficarmos em pelarota e decidimos que se calhar não é boa ideia ir chamar o rapaz para traduzir a conversa nós-médica. Rapidamente chegamos à conclusão que a coisa só lá vai com gestos e agora deixamo-vos dar asas à vossa imaginação acerca de como foi a consulta e o rigor com que os medicamentos foram prescritos. Adeusinho-boa-noite-não-tire-um-curso-de-Inglês-não-que-não-é-preciso e farmácia com elas.
Round 2
Aqui é que começa o difícil desta prática. Começa se, e só se, os remédios receitados outrora não fizerem qualquer espécie de efeito até porque o mais provável é serem para curar micoses nos dedos dos pés. Sabemos que existe outro hospital (público, ai não!) e que é mais ou menos na Rua X. Lá vamos nós de mapa nas mãos a arrastar-nos, a espalhar germes por toda a gente que se cruza connosco e chegamos ao nº19. Entramos, mas que não, não é aqui, é na porta um bocadinho mais ao lado. Atentamos, contudo, que esta instalação do hospital tem um leve cheiro a matéria a decompor-se e atiramos a eventualidade de ser a morgue. Nada a temer.
Entramos na porta ao lado e vamos à recepção para nos registarmos mas aquilo tem escrito por cima qualquer coisa como «Cirurgia». Fazemo-nos de mortas, fingimos que não vimos, que não é nada connosco, queremos acreditar que entrámos no sítio certo. Sentamo-nos e perguntamos a um rapaz se aquilo é o hospital. Que não, não é bem ali ainda, um nadinha mais ao lado. Aaaah quase, estamos quase.
Terceiro portão: aparece um senhor a gesticular e a falar polaco. Tomo aqui a liberdade de traduzir o que me pareceu ser um «Mas onde é que vocês pensam que vão, minhas vadias? Isto não tem nada para vocês verem, bazem daqui se não querem levar com um chumbinho nesses costados.»
Quarto portão: sim, tem que ser aqui, há ambulâncias. Escusado será dizer que entrámos precisamente por onde entram as ambulâncias, uma espécie de garagem. Não encontrávamos a porta, you see. Recepção. Aceitam-nos os cartões sem mais conversa. «Sim sim sim, é aqui, é aqui, é aqui.» enquanto saltamos histericamente e a bater palminhas. A senhora faz a ficha (numa média de 12 minutos cada campo de preenchimento) e venham comigo que já vos levo lá. Isto parecia bom demais para ser verdade. E era. Andámos de salinha em salinha e, às páginas tantas, aparece-nos uma médica que nos diz no seu melhor Inglês «Nop, não é aqui, minhas meninas. Isto são só urgências. O que vocês têm que fazer é marcar consulta num médico da especialidade e vão lá. E isso não é aqui, é na porta um bocadinho mais ao lado, na morada tal. Para aqui só vêm se se estiverem a esvair em sangue. Vá, vão lá à vossa vidinha e amigas como sempre.» Caem-nos os queixos, saimos dali, chamamos uns quantos nomes a tudo o que se cruza connosco,vais-ao-médico-vais-vou-lhe-masé-à-boca-e-a-estes-paneleiros-destes-polacos-todos-mais-à-p%&a-c'os-pariu e entramos no primeiro BurguerKing que nos aparece à frente, curar a constipação.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. FDX!! Ainda nos queixamos o SNS em Portugal :P Isto aqui é um luxo, estou a ver...

    As melhoras gajas! E actualizem isto com frequência! Queremos noticias vossas :)

    Beijinhos,

    LM

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